Sabem aquele amarelo de uma variação
até perder a visão de amarelo? Ele traz-me na lembrança a cor de um pão. Dentre
as matizes dessa cor, sou compelido por aquela que mais aparece para mim, que
mais me surge. É a cor ocre. Que ainda é o amarelo. Só. Que. É. Ocre. Ocre me
lembra passado, que lembra minha vó. Vó é reminiscência. E a minha então? Vixi.
Ela
era meio ocre e fazia piadas e brincadeiras com diálogos que criança não
entende bem. Todavia era uma velha que você quer ficar perto. Uma pessoa cheia
de "Tchans".Tchans curiosos e energizantes. Enfim.
Um
dia, por motivo de um filme que assistimos juntos, ela narrou a imaginação de
um pão. Era um pão desses que me lembra a cor ocre. Encenou com dois garfos e
dois pães. Reproduziu a encenação de Charles Chaplin. Ela fazia uma fala que
gravei no coração e entendi depois. Nessa oratória ela gesticulava e alterava
os tons de voz e dos olhos:
- Eu
sou pão. Oi. Nasço de trigo com água. Sou mais e mais em cada mão que me
alcança e me faz. Expando e retraio, fico fofo e endureço com outras mãos por
conta de possíveis aditivos que tem na mente das mãos. Tem mãos que me fazem mais e mais com seus
apertos e líquidos e fragrâncias e gostos - que absorvo na minha massa. E me
asso em qualquer fogo que tenha temperatura adequada ao momento do amasso. Sou
assim, o fulano que povoa as sociedades através de seus momentos importantes. Sou
quase amor. Creio que sou estrela requisitada em qualquer momento, dentro de
momentos que requisitam comemoração. Veja
bem! As vezes não estou na luz da vida e sou dela apenas um nutriente. E é
quando eu me refaço por dentro daqueles que me fazem. Refeito para a terra, adubo
outro pé de trigo que me faça ser pão
- o mais rápido possível. E nesse
momento estou nesse caminho. Espero ir pra sua boca. Meu único caminho na vida.
Sua boca. Boca... Boca... Abre a Boca... Alô. Alo. Alo ÊEEE. Alo ÊEEE.
Aí dançávamos, comíamos os dois pães. Cada um com seu garfo vestido de pão.
Mastigávamos
e ríamos e, lembrando agora, aquelas casquinhas do pão, quando grudadas nos
dentes da vó e expostas por um sorriso, ficam ocre.