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Monjolo é a Forma do Vício


        Ainda não dominei meu desejo. Não o coordeno. Em todos os lugares e em lugar nenhum, infinito e finito, abaixo e acima, me parece o trabalho do monjolo. Bom, sempre o vi curioso. Sempre esqueço de perguntar quem imaginou tal peripécia. Ele, vindo todo da natureza, para ela e por ela.
         Às vezes acho que é a concha do monjolo. Aquela concha que precisa estar cheia para derramar e manter seu trabalho. Nesse caso tenho vários monjolos dentro de mim, um para cada desejo. Enche a concha, e pesada cai e esvazia. Leis da natureza o levantam  com violência para enchê-lo de novo. O ciclo parece infinito. Não como uma elipse, sim como um círculo. Pior é saber que tenho desejos ínfimos. Tenho os indesejáveis; olhar o que não quero ver.
         Esse desejo, como o monjolo, veio-me agora, neste ínterim sem meu vício. Até acho que se ninguém tivesse me falado que era difícil não seria tanto, nunca saberei. Pararia de vez; sem ressentimento. Pararia com o vício. Enche-me o pulmão, me enche, me levanta algo, cai forte, nesse caso algum estrago. Enche-me o saco, fico sem dinheiro para outros desejos, não o largo. Ele vem rápido. Respeita a velocidade do momento e a paciência do resultado. Devia eu parafraseá-lo para outras vontades, necessidades, almejos e aspirações?
         Quem sabe o problema está aí no ressentimento. Tudo traz junto o ressentimento se levarmos a interpretação até o fim. Se paro, começo, deixo, acabo, abordo e qualquer atitude vai-me coçar algum ressentimento.
         O ressentimento vem como a lembrança. Aquela lembrança que só vem quando respeita a lei da dor e do prazer. O oposto e a felicidade? Imprevisíveis dualidades  que vêm como no caso dessas citadas, apenas a primeira agindo infinitamente e mais intensamente do que a segunda.  A mesma intensidade que se manifesta na primeira é quase a intensidade que se deve movimentar para conseguir a segunda. Essas coisas para nós desse mundo dificultam o arbítrio. Já quase não posso livrar-me de tudo que está ao meu alcance e um dia desejei, e desejando, tenho que colocar um verbo.
         Às vezes tudo pára de acontecer, o monjolo pára  de funcionar, e penso, mas por que ele quebrou? Acabou a água que o fazia subir e descer? Quando conseguirei sumir com alguns monjolos? Deveria eu policiar todos os monjolos que tenho?  Deveria eu evitar o trabalho de monjolos que não conheço o ofício, ou o resultado, mas que quando aparecem me derreto, me consumo por provar? Qualquer interpretação do ópio resolve essa bagunça psíquica. Inerte fico.
         Percebe-se fraca esta metáfora do monjolo quando se vai mais a fundo nas significações. Quis apenas exorcizar como me funciona este vai-e-vem incansável do desejo. Deve ser por isso que existem cadeias, clínicas, retiros etc. Lá é possível colocar inalcançável a posição dos desejos. Possível. E quem sabe, saber que os mesmos podem não mais seduzir, não mais roubar-nos. E quando a mercê deles, conseguir desprezá-los?
         Mas por que é fácil sentir os resquícios das realizações dos desejos? Odeio desejar. Toda vez  que tento evitar, me pego parado provando intensamente todos os alcançáveis para saber por que não os consigo evitar. Só me recordo do real objetivo da ação quando já é hora de dar um basta de novo nos desejos, pois o resultado já está sendo o resultado de levar a cabo os desejos: fracassos? Bom, aí vejo todo desejo como um suicida que me habita.
         E o desejo profundo, o que faço com ele? Aquele que corrói até o que não existe. Fabricando uma existência qualquer, só para arrancar de mim qualquer coisa que realmente quero, não quero, quero, mas, quem sabe, quero. Não querendo o resultado desterrador do ser, mas querendo o que penso que é “terrador”, volto para a dúvida entre uma metáfora e uma metonímia. Me ajudam a fugir dessa comunicação da minha mente e minha carne.